(Portugal, ano 23 do século XXI da Era Cristã)
Do alto das minhas seis décadas de existência passo a refletir sobre a vida. A solidão nos conduz ao que é essencial, não é preciso disfarces. Decidi colocar para fora as impressões sobre o nosso Mundo, pessoas, sentimentos, acontecimentos que nos rodeiam nesses tempos, ainda que sejam observações muito pessoais.
Novidade? Certamente não. Tantos outros já o fizeram com muito mais profundidade ao longo da História. Por isso ainda nos resta o direito de conhecer o que se passou Mundo afora, desde que há registros em escrita de cronistas, poetas, jornalistas, escritores e historiadores.
É um tempo difícil, repleto de angústias, dúvidas e, sobretudo, superficialidade. Globalizaram a ganância, fazendo do Planeta um laboratório das gentes perdidas, buscando sabe-se lá o que. Consome-se até mesmo a sensação de genuinidade dos lugares, festas e tradições. Para tudo há conselheiros de plantão, a dar receitas de sucesso e superação na internet. São coachs, youtubers e outros personagens com discurso pronto e acabado.
Sem o menor pudor, alguns se acham no direito de tomar os bairros, os espaços, as ruas, os bares e até mesmo as casas e as histórias dos outros, talvez pela crença de que assim estarão dando algum sentido às suas pobres vidas.
O vinho é bom ou é ruim pelo preço ou pelo rótulo da garrafa. Nem é preciso saber de onde veio, de qual vinícola, que uvas foram maçeradas, se foram com os pés ou em depósitos de metal, em que terras foram cultivadas. A cerveja só é boa porque é belga ou alemã.
O show do artista é medido pelo número de pessoas que assiste. Elas não precisam conhecer as músicas, nem prestar atenção aos novos arranjos. Os músicos que acompanham são como arroz de festa, na sua maioria subcontratados para tocar. E assim tocam a vida de show em show, sem rosto, sem identidade, atrás do cachê. Mais vale o volume insuportável das caixas de som…
Ligo a TV e os noticiários, todos em sintonia com uma vasta produção sobre os mesmos acontecimentos, despejam imagens combinadas com trechos de depoimentos de testemunhas e repórteres. Logo vem os comentários de “especialistas”, tipos lacradores insensados por um pretenso conhecimento de todos os assuntos. São os “tudólogos”.
Fala-se de guerra com uma naturalidade espantosa, da mesma forma como todos os dias tomamos café, trocamos de roupa, fazemos nossas necessidades e vamos dormir. A superficialidade da mídia reduz o Mundo e os conflitos a meras disputas entre o “bem” e o “mau”. Paz? Para que? O importante é quem vai ganhar a guerra. As mortes de um lado são mais importantes que as do outro, o inimigo não tem alma, família e nem sentimentos.
As tragédias são incorporadas ao espetáculo do noticiário, ainda mais quando envolvem os outros, os pobres, os periféricos. O modo de vida, as religiões, as culturas, conceitos e pré-conceitos dos demais são tratados como problemas, que podem ser absorvidos, desde que se rendam ao modo de ser admissível pelos mais ricos. Caso contrário, seguem como estranhos a serem segregados e bombardeados.
O tempo corrido é dinheiro, não há espaço para a reflexão, para alcançar a complexidade dos desafios, muito menos para soluções criativas. A participação popular foi reduzida a mera formalidade. Agora são abaixo-assinados ou consultas virtuais, nas quais os internautas podem escolher entre as respostas A ou B, sem que isso resulte necessariamente em qualquer solução concreta dos problemas.
Creches e escolas tornaram-se depósitos dos pequeninos e jovens. Certamente a responsabilidade não é dos professores, cuidadores e educadores. O que sabemos das vidas dos nossos meninos e meninas? O que leram? O que compreenderam do que leram? Nos surpreendemos com atitudes e sentimentos que desconhecíamos em suas personalidades, cada vez mais forjadas por aplicativos, jogos e séries. Que papel cumprem os pais?
A aceleração do tempo vivido está reduzindo os seres humanos a meros consumidores de produtos, afetos, gostos, sensações, prazeres, em doses cada vez menores. Tudo é contabilizado. Não nos permitimos ao desfrute de permanecer em algum local, só para admirar a beleza das cores, os sons que nos cercam ou observar os pássaros e as pessoas que passam e conversam.
O café ou a cerveja com os amigos é cada vez mais uma raridade, porque estamos sempre correndo. Sentar e conversar é “perda de tempo”. Não prestamos a atenção sequer nos rostos, nos olhos e na forma como as pessoas falam e muitas vezes nem no que dizem. Não nos damos o direito de perceber as emoções alheias. Alguns sequer nos permitem enxergá-las, guardando mágoas e certezas só para si. É o medo de dividir problemas e mostrar fragilidade.
Quantos e quantas ao nosso lado estão largados, desajustados, feridos e não encontram espaços para desenvolver suas capacidades? Muitos veem seus sonhos desmanchar ou simplesmente só como sonhos mesmo. Uma humanidade que repete gestos mecanicamente todos os dias, sobrevive adoecida.
As relações começam e terminam sem que os casais se conheçam a fundo. “A fila anda”, é o que mais se ouve da nova filosofia de consumo do amor. Quem sofre precisa aprender a “desapegar”, como se os sentimentos e as pessoas fossem objetos que acumulamos.
As próximas gerações vão conviver com seres de inteligência artificial (IA). Talvez possam até relacionar-se emocionalmente com eles. Ou simplesmente transformá-los nas tropas de choque, repressão e militares usadas para disputar o domínio do Planeta. E isso será um tremendo problema, porque a IA levada ao extremo pode gerar seres com autonomia plena, em condições até de superar as capacidades dos humanos.
Há esperança de felicidade para a humanidade? Vamos sucumbir à racionalidade do Mundo desigual e superficial que criamos? Esses são desafios que estão postos para agora, não há mais como adiá-los.

Domingo, 2 de outubro, é dia de eleição. Dia de fila, espera e paciência. Milhares de brasileiros radicados em Portugal vão ao Porto e Lisboa só para votar. Muitos preferem nem comparecer para justificar depois. Afinal, pensam, para que votar se estamos tão longe?


Portugal, que garante mínimas condições econômicas e sociais aos seus, deveria servir de exemplo para nós, não de desculpa. Aqui, depois do 25 de Abril de 1974, muita coisa mudou para melhor. Longe de ser o Paraíso, mas os direitos ainda justificam os deveres da maioria.


Minha geração sabe porque votar. Foram 21 anos de ditadura e falta de liberdades. Essa mísera democracia que conquistamos com tanto sacrifício – inclusive de vidas – ainda nos assegura o direito de dizer quem vai governar o país.


Se dependesse da gente rica, o Brasil de hoje seria administrado por um condomínio de endinheirados, que escolheriam um CEO em vez de um Presidente.


No cardápio dessa eleição temos uma entrada, composta de candidatos desconhecidos da maioria do eleitorado, entre os quais um falso padre, encomendado de última hora para fazer escada a Bolsonaro nos debates da TV.


Infelizmente a esquerda não se faz representar com alguma expressão. O PSOL, que acertadamente optou por apoiar Lula, não fez qualquer diferença no programa e na campanha. Provavelmente perderá força parlamentar ou manterá o pouco que tem.


Os demais partidos de esquerda ficaram no século passado, com seu modelo de sociedade comandado por um partido centralizado e a fé num chamado religioso ao socialismo do reino dos céus. Não devem arrumar nada, nem para o café.


Os partidos tradicionais (MDB, PSDB, etc) não souberam acompanhar os desafios das exigências do nosso tempo. Alguns mudaram de embalagem, como o DEM, que virou União Brasil. Parecem perdidos e sem qualquer apelo aos olhos do eleitorado. Foram engolidos pela extrema-direita e superados pelos quadrilheiros do Centrão.


A extrema-direita vem perdendo fôlego na reta final da campanha, conduzida pela marcha fúnebre de Bolsonaro, que embala parte da classe média alta, fiéis de igrejas evangélicas neopentecostais e milicianos de diversas matizes com seus sonhos doentios e golpistas. É a bola da vez do grande capital, que mantém o fascismo como alternativa sempre que as crises pedem uma solução autoritária, para assegurar as margens de lucro.


Ciro Gomes, que poderia ter emplacado em 2018, tentou novamente. Desta vez com sua “bíblia” debaixo do braço e respostas na ponta da língua para tudo: do engarrafamento da Avenida Brasil ao problema da falta d´água no Cariri. Para azar dele, Lula volta nessa eleição a ocupar o espaço que cabe ao líder popular que sempre foi. Com simplicidade, Lula deixou a formalidade de lado e deu o recado que o povão queria ouvir: é preciso acabar com a fome e o desemprego.


A candidatura Lula, que sempre foi de bater uma no prego e outra na ferradura, servirá para derrotar a extrema-direita e seu governo desastroso, fruto de um golpe “com o Supremo com tudo”, que as classes dominantes montaram em 2016. Já será um grande alívio respirar novos ares se a vitória acontecer no primeiro turno.


O Brasil viveu seis anos sufocado: dois de Temer – que impôs o teto de gastos públicos e a reforma trabalhista – e quatro de Bolsonaro, que nos deixará de herança a reforma da Previdência e o Orçamento Secreto, do Centrão. Nesse tempo, banqueiros, agronegócio, lobbies da bala, do boi e da bíblia deitaram e rolaram, pisoteando sobre os mais de 680 mil cadáveres da pandemia de covid-19.


O cenário que virá depois da eleição não parece favorável. Avizinha-se uma recessão mundial e caberá ao povo voltar às ruas, como sempre fez ao longo da nossa História, para arrancar suas reivindicações. Quem sabe se dessa necessidade surjam novas formas de luta e organização popular?


É com essa expectativa que vou à urna em 2 de outubro. De resto, é dar um pé na bunda de Bolsonaro e manter ligado o pisca-alerta, porque a horda bolsonarista pode tentar melar o processo.

Segundo turno de eleição não é só matemática, mas se somarmos os votos válidos de Marine Le Pen com Zemmour e Dupont-Aignan no primeiro turno da eleição presidencial francesa, teremos mais de 33% para a extrema-direita. São só duas semanas de disputa pelos indecisos, brancos, nulos e os que não votaram no primeiro turno (26% do eleitorado).

A primeira sondagem de intenção de voto (Opinion Way), realizada em 10 de abril, indica 54% para Emmanuel Macron contra 46% para Le Pen, com margem de erro de 2,6%. Vale ressaltar que a candidata da extrema-direita chegou ao segundo turno em ascensão.

Destaque nesta eleição para o fiasco de socialistas (1,7%) e republicanos (4,7%), dois partidos tradicionais e que já tiveram diversos presidentes franceses. E ainda o resultado fraco dos comunistas (2,3%). A esquerda somada obteve cerca de 30% dos votos válidos, mas ficou de fora do segundo turno pela pulverização de candidatos.

Chama a atenção que Jean Luc Melanchón, candidato da esquerda que obteve 22% dos votos válidos no primeiro turno, tenha maior apelo entre os jovens e adultos até 34 anos. Já Le Pen teve sua maior expressão eleitoral entre trabalhadores e empregados, enquanto Macron obteve mais votos entre os aposentados (Enquete Ipsos e Sopra Steria).

Além do crescimento da extrema-direita, a eleição presidencial francesa pode ameaçar a estabilidade da própria União Européia, caso Marine Le Pen vença. Depois da saída da Inglaterra, França e Alemanha passaram a ser os dois pilares de sustentação econômica e política da UE.

Macron tenta cativar o eleitorado de esquerda neste segundo turno, mas é identificado como um dos principais responsáveis pelas reformas e medidas de austeridade aplicadas pelo governo nos últimos anos, o que lhe rende forte oposição dos movimentos sindical e popular.

O resultado de uma eleição entre candidatos de direta e de extrema-direita poderá ser decidido pelo índice de abstenção, votos brancos e nulos neste segundo turno. E, sobretudo, pelos votos da esquerda, alijada do segundo turno.

Os dilemas da profissão em tempos de censura e notícias falsas

(Comentário para o Portal http://www.comunia.com.br )

O comando da área enfraqueceu e perdeu o controle de algumas comunidades vizinhas, mas continuava fazendo ameaças no pedaço e tinha a simpatia de parte da galera. Afinal, todo mundo que mora na área fala a mesma língua e tem parentes dos dois lados.

Os novos donos do pedaço não foram apadrinhados por nenhum outro grupo forte, mas queriam fazer um acordo com a milícia da região. Pediram até ingresso e só não foram aceitos porque ainda existem algumas dúvidas sobre suas verdadeiras intenções. Sabe como é malandro de segunda categoria… Para ingressar na milícia tem que ter pedigree.

A milícia estava a fim de minar os negócios do pessoal do comando e queria montar uma base forte nas comunidades vizinhas. Ofereceu até armas pesadas, mas sabia que o bicho ia pegar, porque a turma do comando não aceitaria crocodilagem do lado do seu quintal.

Até que o chefe do comando deu a ordem de ataque. Os soldados foram com tudo para cima. Bombas, bondes, fuzis e aviõezinhos. Transformaram a vida das comunidades vizinhas num terror, assustando até o pessoal de outras áreas da região.

O chefe dos vizinhos pediu socorro para a milícia, mas os caras sabiam que se entrassem de sola na guerra o caldo ia entornar de vez. Fizeram os cálculos e decidiram cercar e estrangular o inimigo.

Proibiram o fornecimento dos produtos do comando para as outras comunidades e cortaram os negócios que o comando fazia nos bancos para lavar dinheiro. O bagulho ficou doido para geral, porque a galera das comunidades vizinhas precisava daqueles produtos para sobreviver.

Mas a milícia fez mais: proibiu o pessoal de todas as comunidades das suas áreas de acompanhar o que estava acontecendo na guerra.

Em resposta, o chefe do comando fez o mesmo do seu lado e mandou avisar que só estava se defendendo, mas que não ia deixar seus parentes e amigos na mão do inimigo, nem aceitar que o pessoal das comunidades vizinhas trabalhasse para a milícia. Decidiu também fazer uma aliança com os caras de outro comando emergente, que ainda estão analisando a oferta.

O conflito tava tão pesado que começou a mexer com a vida dos moradores dos dois lados. Os familiares passaram a protestar: queriam notícias dos soldados, filhos e parentes metidos na guerra. Os preços das mercadorias começaram a subir nas bocas e nas tendinhas. O clima nos becos azedou de vez, com mulheres, velhos e crianças abandonando o pedaço.

Agora ninguém sabe o que vai acontecer. Só sabe que tem um monte de gente morta, uma porção de barracos destruídos e ameaças dos dois lados. Uma coisa é certa: uma hora eles vão ter que se entender, porque os negócios não podem parar. Mas até isso acontecer muita gente inocente vai perder a vida, e o que já não era lá grande coisa ficou bem pior para todas as comunidades.

O clima de tensão em torno de um conflito armado entre Rússia e Ucrânia tem sido plantado em toda a Europa. Não que isso esteja descartado, mas está longe de ser o verdadeiro objetivo dos envolvidos. A Casa Branca chegou a divulgar o boato, amplamente reproduzido pela mídia, de que a invasão russa da Ucrânia seria na quarta-feira, 16 de fevereiro.

Apesar da tentativa de Emmanuel Macron em protagonizar iniciativas diplomáticas, a Rússia já deixou claro que não reconhece autoridade no presidente francês para resolver o problema. Mesmo com o peso econômico e político da Alemanha, Olaf Scholz também não tem condições de falar alto com Putin.

Neste cenário, governos de 12 países orientaram seus cidadãos a não viajarem e nem permanecerem em território ucraniano. O exército ucraniano faz uma campanha de treinamento militar de civis nas áreas de fronteira com a Rússia e seus aliados. Os russos mantém tropas e realizam manobras nas zonas fronteiriças.

Curiosamente, apesar de toda a pressão dos EUA, replicada pela maioria da mídia, o clima em Kiev parece de tranquilidade. Nem o Presidente e nem a população da capital acreditam num conflito armado com a Rússia. Falam, sim, em possíveis represálias dos russos, o que dificultaria a situação econômica do país.

Com o controle da Criméia desde 2014, a Rússia pode estrangular o acesso da Ucrânia ao Mar do Norte.
Então, por que todo este clima de beligerância que toma conta da Europa? É preciso analisar a situação ponto a ponto, a partir dos interesses dos envolvidos:

. O que quer o governo Biden – Desanuviar a crise interna de seu país, voltando a opinião pública para mais uma campanha nacionalista contra o “inimigo externo”. Essa é uma velha tática política, que apela ao nacionalismo e beneficia os fabricantes de armamentos, um dos setores mais importantes da economia estadonidense.

Interessa aos senhores da guerra forçar a entrada da Ucrânia na OTAN, o que criaria as condições ideais para plantar armas de longo alcance na fronteira russa. Assim, os EUA também imporiam mais dificuldades para a expansão da nova rota da seda, que interessa à China, verdadeiro alvo de toda a escalada militar estadonidense na região.

. O que pretende o governo Putin – Primeiro manter o controle sobre o Mar Morto e evitar armas de longo alcance em suas fronteiras. Por isso, Moscou insiste que a Ucrânia não seja aceita na OTAN. Ao mesmo tempo, interessa aos russos criar um cordão sanitário em suas fronteiras com ex-repúblicas soviéticas e países aliados, que lhe permita manter autonomia para sua política interna e externa.

. Os interesses da Ucrânia – O governo de direita de Volodymyr Zelenski já obteve parte do que pretendia: a solidariedade política e econômica dos vizinhos da Europa, passo decisivo para sua inclusão na União Européia. Aproveitando o clima de tensão, o parlamento ucraniano aprovou moção exigindo a devolução de territórios que estão sob controle da Rússia. Mas o governo sabe que um conflito armado, além de causar perdas econômicas e de vidas, pode ameaçar sua própria estabilidade, como aconteceu com a anexação da Criméia pela Rússia, em 2014. Daí a política cuidadosa do governo Zelenski.

. Os interesses da China – Interessa ao governo de Pequim estreitar laços com Moscou, justamente para a expansão da chamada nova rota da seda, que passa pela Rússia, porta aberta para o escoamento de produtos e comércio de larga escala com a Europa, principal consumidor da industria chinesa. Não por acaso, Putin e Xi Jinping mantiveram conversas antes da abertura das Olimpíadas de Inverno, na China. Ou seja, a provocação do governo Biden levou a Rússia a ampliar relações políticas com a China.

. Como fica a União Européia – As duas economias mais importantes da Europa, Alemanha e França, têm interesse direto na resolução do conflito Rússia-Ucrânia. A Rússia continua a ser o maior fornecedor de gás, além de parte considerável do petróleo consumido para os dois países. Além disso, a Alemanha tem um gasoduto até a Rússia em fase de conclusão.

Aliada dos EUA e com papel secundário na OTAN desde o final da II Guerra, a União Européia não têm força militar para determinar nada, mesmo dentro de seu Continente. Os esforços dos governos alemão e francês ficam no campo da diplomacia e talvez em possíveis sanções econômicas à Rússia. No entanto, em caso de um conflito armado, o prejuízo cairia todo na conta da União Européia.

A maioria dos grupos privados de mídia portugueses aposta numa solução de centro, com um acordo entre PS e PSD (*). Isso garantiria às classes dominantes a estabilidade política necessária para se beneficiar da bazuca de €16,7 mil milhões (bilhões), a ser repassada pela União Européia a Portugal nos próximos anos, em função dos estragos causados pela pandemia.

Não por acaso, investiram em sondagens eleitorais para tentar conduzir a disputa eleitoral entre o PS (centro-esquerda) e o PSD (centro-direita). Não que ela não existisse, mas as pesquisas ajudaram a forçar o voto útil, ora apontando uma vitória do PS por pequena margem, ora indicando uma virada do PSD nos últimos dias. Os outros partidos passam a figurar no processo como meros coadjuvantes, à esquerda e à direita.

Há até um grupo de pesquisadores, liderado por um rapaz que trabalhou para Carlos Moedas (PSD) nas eleições autárquicas de Lisboa, em 2021, que aponta os candidatos com mais chances de disputar as vagas ao Parlamento em todas as regiões do país, o que ajuda a viciar a escolha do eleitor.

Assim, as últimas semanas da cobertura midiática da campanha tomaram como base pesquisas. Uma delas tão absurda que é feita em doses homeopáticas, com 152 eleitores/dia, a tal traking poll. E tome de divulgar e comentar pesquisas todos os dias, de forma que elas se tornaram mais importantes do que as idéias e propostas dos partidos e candidatos. Os institutos de pesquisas agradecem.

Ou seja, os atores principais do processo eleitoral passaram a ser as pesquisas e os comentaristas de pesquisas. A maioria ressaltando a possibilidade de uma crise institucional, caso os dois maiores partidos não encontrem parcerias para governar. Para eles, a “estabilidade” estaria num acordo entre PS e PSD.

Às vésperas da eleição, o cenário montado é de uma polarização entre os dois maiores partidos, empurrando o eleitorado ao voto útil. Assim não há espaço para sobressaltos, caso parte do eleitorado decida quebrar essa polarização.

O conservadorismo midiático está na mesma proporção do compromisso desses grupos com as classes dominantes e o surrado programa da saúde financeira do Estado, do controle dos gastos públicos e o combate ao déficit fiscal, a mesma receita do tempo da troika.

Portanto, ninguém se espante se PS e PSD, espremidos à direita e à esquerda, encontrem uma solução negociada de governança pelo centro, que agrade aos 5% que controlam 42% da riqueza do país.

(*) Ressalve-se o papel da Rádio e Televisão de Portugal (RTP), emissora pública que fez uma cobertura mais isenta da eleição em seus canais.

Vende-se fake news

12/01/2022

Não é novidade que as notícias falsas estão disseminadas pelas redes sociais. O que se torna cada vez mais escandaloso é a comercialização de produtos e serviços que não correspondem à realidade do que anunciam, sem qualquer restrição nas plataformas digitais.
As postagens patrocinadas (pagas) vão de coachs, que prometem o “pulo do gato”, aos “professores” de línguas, dos empreendedores com moedas digitais aos anunciantes de ganhos imediatos, uma infinidade de espertalhões usa as redes sociais, apostando na boa-fé, fragilidade e no desespero de muita gente, para viver de pequenos golpes.
Um sujeito que se apresenta como empreendedor/motivador alega ter publicado 20 livros e, segundo ele, cinco best-sellers, arrastou mais de 60 seguidores a um local de difícil acesso, na divisa de Minas e S. Paulo. Sem preparo ou apoio, metade do grupo não conseguiu avançar no percurso, tendo que ser resgatado por helicópteros do Corpo de Bombeiros.
Nos últimos meses cresceram no Facebook os convites para aprender ou aperfeiçoar o conhecimento de línguas, o que, segundo os promotores dos “eventos” virtuais, pode ser a redenção profissional e financeira dos matriculados. Ora, os cursos especializados nesta área já possuem plataformas, com professores formados e materiais didáticos dedicados aos que queiram ou precisem conhecer idiomas.
Mas há também os experts em mercado financeiro, que publicam seus vídeos motivacionais alertando para os ganhos em moedas digitais e outros investimentos, com base em análises bombásticas e conclusões certeiras sobre o futuro de glória dos seus possíveis discípulos. Obviamente eles terão que entrar com algum para o negócio girar…
Aos desempregados restam os anúncios de todo tipo, sobretudo os que propõem trabalho em sistema em meio período. Os mais irritantes são os que garantem que a pessoa não precisa sair de casa para conseguir trabalhar para plataformas digitais. Quando o incauto aceita o convite dá de cara com a venda de um curso de tantas horas, para o qual ele terá que comprar o material, obtendo todas as ferramentas necessárias para prestar os serviços anunciados. Ou seja, estão vendendo cursos e usam a promessa de trabalho como isca.
Obviamente essa chusma de “empreendedores digitais” não apresenta ou não comprova seus currículos e a capacitação necessária para oferecer produtos ou os serviços prometidos. Muitos se baseiam na mesma lógica da “teologia da prosperidade”, originada no fundamentalismo neopentecostal estadonidense.
Pouco importa a desilusão de quem acreditou nessas armadilhas e nos profetas da vida boa. As inúmeras denúncias e relatos nas redes sociais não trazem qualquer constrangimento aos espertalhões, que no máximo se reciclam e continuam pescando iludidos na internet.
O mais grave não é a ação inescrupulosa dos promotores do pesadelo, mas a inação das poucas empresas que controlam as redes sociais. Na medida em que esses espertalhões se apresentam como anunciantes, arrastando necessitados de todo tipo, passam a fortalecer o negócio das plataformas. Se forem processados ou bloqueados por algum tempo voltarão à carga logo adiante, porque não há uma ação contundente que os puna.
Assim como os vendilhões do templo, na religião, e os produtores de notícias falsas, no mercado editoral e na política, não há uma regulamentação internacional que responsabilize criminalmente esses mercadores de ilusões. E isso, definitivamente, não pode ficar a cargo das poucas próprias empresas que dominam as redes sociais, que também lucram com a desinformação.
Trata-se de um debate que deve envolver a sociedade, delimitando regras para evitar e punir os responsáveis pela cadeia de mentiras e ilusões vendidas via internet. Assim como multar as plataformas, que toleram a ação inescrupulosa dessa turma.

A União Européia e os EUA tornaram-se o centro de uma gigantesca onda de contaminação de Covid-19 nos últimos sete dias de 2021. A variante Ômicron – tida como mais contagiosa e menos agressiva – quebra todos os recordes de casos diários nessas duas regiões do Planeta. Em 28 de dezembro, foram registrados mais de um milhão de casos.

Embora ainda não existam conclusões sobre o efeito das vacinas nos casos da Ômicron, o atenuante é que existe um número bem menor de internados e óbitos, proporcionalmente às ondas anteriores da doença. No entanto, os dados preliminares confirmam que os atingidos de maneira mais grave são os não vacinados e pessoas de mais idade.

Confrontados com a realidade, governos de diversas matizes político-ideológicas exitam em tomar medidas de restrição no que diz respeito a espetáculos, shows e jogos de futebol, dentre outros de grande concentração de pessoas. Mesmo as festas de fim de ano foram marcadas por apelos pouco eficazes dos governantes da Europa, que temem por seu desgaste com o eleitorado, diante do esgotamento da população depois de dois anos de pandemia.

As organizações e partidos de extrema-direita continuam impunes, realizando protestos contra a exigência de testes e comprovantes de vacinação. Os infectologistas acreditam que a nova onda da doença crescerá até o final de janeiro, quando o contágio deve começar a cair na Europa.

Apesar dos esforços da OMS e apelos dos cientistas e pesquisadores, cerca de 50% da população mundial receberam duas doses de vacinas, o que demonstra a fragilidade da proteção contra o vírus e suas variantes, dois anos depois do início da vacinação, sobretudo nas regiões mais pobres do Planeta.

Lo que brilla com luz propia nadie lo puede apagar” (*)

Ah, Botafogo… Quando te escolhi não sabia que o contraste dessas cores levaria a glória e ao fundo do poço em tão pouco tempo. Nem que seria assim para sempre. Mas, como eu, você é teimoso, e provou que quando ninguém mais acredita sua estrela renasce das cinzas.

Outra vez desacreditado pelos “especialistas”, o Botafogo venceu dentro de campo e retornou ao grupo de elite do futebol brasileiro, dando visibilidade e respeito a todos os demais concorrentes e suas torcidas igualmente apaixonadas.

Os que não conhecem o Botafogo insistem em decretar seu fim todos os anos. “Vai cair e não sobe mais”, vociferam do alto de sua soberba noventa por cento dos comentaristas esportivos. E quanto mais decretam seu fim, mais veem você se reerguer.

Pergunto a esses sabichões: Quantos de vocês eram nascidos quando os barcos do Botafogo de regatas já venciam competições na Baía de Guanabara? Já estavam por aqui quando o Botafogo se sagrou campeão pela primeira vez nos campos de futebol? Viram o basquete do Botafogo campeão nas quadras e o polo do Botafogo nas piscinas? Lembram de Silvio Fiolo e de Aida dos Santos? E da geração fantástica do vôlei alvinegro?

Ao clube da estrela solitária estão associados talvez os melhores momentos e os maiores feitos do futebol brasileiro. Mas também muitos personagens amaldiçoados, nunca perdoados pela hipocrisia da crítica esportiva.

Só o Botafogo surgiu da união de dois clubes rivais, com o mesmo nome, depois da morte súbita de um atleta numa partida de basquete entre eles.

Só o Botafogo poderia ser palco da paixão desenfreada de um Heleno, que brigava com os colegas de time no vestiário por acreditar que não davam tudo de si em campo contra os adversários.

Só o Botafogo foi capaz de dar espaço a um torto, que virou a alegria do povo e encantou o Mundo com seus dribles desconcertantes. Ele não se importava muito com o gol, só queria desafiar o adversário a tomar a bola dos seus pés. E a massa vibrava com seu bailado pelos gramados, gritando “olé!”

Só o Botafogo teria um vira-latas como mascote, entrando em campo sempre que era necessário parar o jogo. Afinal, quem seria capaz de fazer maldade a um cachorrinho inocente diante de um estádio lotado?

Só o Botafogo contaria em seu elenco com um jogador que levantou a voz pela primeira vez pelo passe livre no futebol, apesar daquilo desagradar aos cartolas, inclusive os do próprio Botafogo, em plena ditadura militar.

Só o Botafogo teria o primeiro craque do futebol brasileiro a exibir seu cabelo black power, com orgulho de sua consciência negra.

Só o Botafogo contava entre seus ilustres torcedores com um sujeito sem medo, que seria capaz de desafiar a ditadura, porque o general podia escolher seu ministério, mas na seleção brasileira jogariam apenas os convocados por ele, o João.

Só o Botafogo teve um Presidente com a coragem de convocar a imprensa para denunciar a farsa dos interesses e esquemas por trás do futebol, que tiraram do Botafogo um título que era dele. Depois daquilo, tantos outros clubes viriam a sofrer o mesmo problema contra aquele mesmo adversário.

Só o Botafogo acolheu e deu espaço a jogadores que ninguém queria, fazendo deles seus ídolos. Talvez, justamente por isso, tenha sido o clube que mais jogadores cedeu à seleção brasileira em jogos oficiais.

E mais uma vez você, Botafogo, está aí a desconcertar as previsões das mães Dina’ do futebol brasileiro e desmoralizar os palpites dos comentaristas de plantão, sempre dispostos a decretar seu fim. 

Não, você não é o único e nem será sempre o melhor, como acreditam alguns frustrados que exigem de seus clubes a certeza do sucesso permanente. O esporte não é o espaço para a afirmação dos autossuficientes. Ao contrário, ele ensina a cada partida que a vitória se conquista em campo, coletivamente, que não se deve subestimar o adversário e que a derrota também educa.

Certa feita um poeta disse que quem falar da história do Brasil no século XX terá que citar o PCB, senão estará mentindo. Da mesma forma, quem quiser falar do futebol brasileiro e não falar do Botafogo estará falseando a história.

O alvinegro é antes de tudo um forte, como o nosso nordestino. Longe ou perto, com ou sem grana, mesmo sem esperança, ele sempre dá um jeitinho de acompanhar seu clube. Como todo apaixonado, depois de uma desilusão ele jura que nunca mais vai voltar.

Muitos alvinegros somem por um bom tempo. O suficiente para dar a impressão que os papa-defuntos do futebol teriam razão. Todos os anos eles repetem a mesma ladainha: “O Botafogo vai cair, o Botafogo não tem time, o Botafogo não tem torcida, o Botafogo vai morrer”, afirmam a plenos pulmões.

“E’ a maior dívida de um clube do futebol brasileiro”, lembram sempre os arautos da moralidade esportiva. Como se a situação financeira dos demais grandes clubes fosse tranquila…

Mas basta uma vitória improvável, daquelas coisas que só acontecem ao Botafogo, para o torcedor alvinegro se animar. E aí, para a surpresa e o desespero dos palermas, eis que o velho e tradicional Botafogo reaparece. 

Por isso, o alvinegro aprende, desde cedo, que o destino do seu clube é surpreender os favoritos, atravessar o deserto, levantar a dúvida onde só existe certeza, fazer tudo diferente, derrubar as cercas das probabilidades. Para nós, o que parece fácil se torna sempre difícil e o impossível fica sempre mais fácil.

Não importa quantos títulos o Botafogo tem, tera’ ou deixa de ter. Muito menos o tamanho da sua torcida, espalhada Brasil afora. De que vale a grana alta de empresas públicas e grupos privados que patrocinam alguns poucos, se tudo isso cobra o preço do apoio artificial da mídia e a vergonha dos favorecimentos constantes por “erros” de arbitragem e lances “polemicos”?

O Botafogo não nasceu para essa mediocridade. Ele existe para surpreender, para fugir do lugar comum, para afirmar que o esporte e’ preto no branco, belo e inclusivo quanto a paixão que ele desperta.

Nunca duvidem do Botafogo. Não, o Botafogo não vai morrer. Mesmo que chegue ao lugar mais baixo da estrada dos louros, ele sempre terá luz própria, que nem os poderosos poderão apagar. 

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Este texto é dedicado a todos os botafoguenses de ontem, hoje e sempre, em especial aos meus filhos que, como eu, carregam uma estrela solitária em seus corações.

(*) Verso da música “Cancion por la unidad latino americana”, de Pablo Milanes.